Entrevista com o canonista Côn. José Everaldo


Aborto e moral cristã estão entre os temas abordados

Côn. José Everaldo é vigário judicia
 da Arquidiocese e membro da
 Sociedade Brasileira
de Canonistas.
Diante da aprovação do aborto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) realizado em casos de fetos anencéfalos, a Igreja do Brasil se posicionou de forma contrária e incentivou os fiéis a rezarem, fazendo inclusive vigílias de oração pela vida, em uma tentativa de reverter a situação. Para adentrarmos com mais profundidade nesta e em outras questões, o Semeador entrevistou o Cônego Dr. José Everaldo Rodrigues Filho, Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense em Roma, Licenciado em Filosofia pela UECE, vigário judicial da Arquidiocese e membro da Sociedade Brasileira de Canonistas.

Qual a sua visão sobre a aprovação do STF para a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos?
Sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal devemos analisar a partir de três pontos de vista, um técnico, outro social e o último do ponto de vista da moral cristã. Se tivéssemos uma discussão exclusivamente jurídica, poderíamos afirmar que a decisão do Supremo Tribunal Federal de 13/04/2012 foi uma aberração. Tecnicamente o STF interpretou os postulados da legislação penal brasileira de forma lata, amplista em demasia. O judiciário só pode interpretar restritivamente a legislação penal, pois é contrário à técnica jurídica moderna achar que o poder legislativo poderia, se tivesse condições, criar uma norma sem de fato ter criado. O Código Penal Brasileiro, por mais absurdo que seja, descriminaliza o aborto em duas circunstâncias: no caso de estupro e de risco letal à vida da mãe (art. 128, I-II do Código Penal). A técnica jurídica afirma que a norma penal deve ser interpretada de forma restritiva, nunca lata. Se o legislador brasileiro determinou apenas duas causas de excludente de punibilidade, com que legitimidade o STF criou mais um excludente? Só o poder legislativo tem poder para isso.Socialmente vivemos num país onde a desonestidade é a regra, não a exceção (infelizmente). Quem poderia confiar que os laudos médicos que detectariam a anencefalia são verdadeiros? São sérios? Quem poderia afirmar que o laudo não foi um engodo, uma mentira, uma fraude, comprado por dinheiro? Diante de um poder judiciário ineficaz para apurar a verdade, poder-se-ia aceitar qualquer laudo e, com base nele, autorizar qualquer forma de aborto. Criou-se uma brecha para qualquer pessoa fazer aborto de crianças anencéfalas ou não. Do ponto de vista da moral cristã é uma decisão antiética. Os 11 ministros se autoproclamaram “deuses do monte olimpo”, senhores absolutos da vida e da morte de 180 milhões de brasileiros. Daqui a um futuro breve eles autorizarão a eutanásia e a eugenia. Pois, considerarão dementes, vítimas de acidentes graves que os tornaram inválidos, improdutivos e passíveis da “morte higiênica”. Enquanto, a Igreja defende a vida, o Estado difunde a morte em nome dos postulados do “Estado Laico” ou do “Estado democrático de direito”.

Como a Igreja vê os casos de aborto?
O aborto é uma afronta direta ao Quinto Mandamento: “Não matarás (Ex 20.13). A ciência prova que a vida começa durante a fecundação do óvulo; nesse momento já existe vida, o que faz que aquele ser seja dotado de alma, desde aquele momento a criatura humana é conhecida e amada por Deus (Jr 1,5). Ao contrário do que pregam os defensores do aborto, não é de hoje que a Igreja condena o aborto. Trata-se de preceito bíblico: em Ex 1,8-21, lemos que quando os hebreus começaram a se multiplicar no Egito, o faraó incentivou o aborto, mas as parteiras não seguiram essa recomendação porque “temiam a Deus”. O mais antigo catecismo usado pelos cristãos, a Didaqué, escrito no final do século I d. C., expressa claramente: “Não mate a criança no seio de sua mãe, nem depois que ela tenha nascido” (Did 2,2b). Jamais a Igreja pode ser infiel a esta verdade.

E qual o tratamento da Igreja para quem comete algum crime contra a vida do nascituro?
A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. "Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae (automática)" (Cân. 1398) "pelo próprio fato de cometer o delito" e nas condições previstas pelo Direito. Com isso, a Igreja não quer abolir a misericórdia, mas sim manifestar a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade. A Igreja afirma que o inalienável direito à vida de todo ser humano inocente. A sociedade civil e a legislação deve defender essa fase tão frágil da vida humana. O direito à vida faz parte do leque dos direitos humanos. Os direitos humanos não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, e também não são uma concessão da sociedade e do Estado, pertencem sim à natureza humana. Ao criar o homem, Deus impôs dentro da natureza humana, direitos inalienáveis, dentre os quais o direito absoluto à vida.

Tratam o aborto, como um problema de “saúde pública”. Isso significa uma tentativa de desviar a posição da Igreja, isto é, afirmando não se tratar da competência dela?
O aborto é realizado por muitas mulheres de forma clandestina no Brasil, ou em clínicas de aborto de terceira categoria, sem nenhuma condição de higiene, ou nas próprias residências com a assistência de uma enfermeira sem escrúpulos. Este fato leva ao óbito muitas mulheres com infecções graves e hemorragias irreversíveis. Dizer que esse fato é uma “questão de saúde pública” é um absurdo, pois uma gravidez indesejada, irresponsavelmente provocada pelos pais e, mais irresponsavelmente buscando o aborto para solucioná-la não é uma questão de saúde pública. Jamais o aborto pode ser considerado algo semelhante a uma endemia como a dengue ou uma doença sexualmente transmissível. O Estado deveria promover sim, uma educação sexual responsável para a maior parte da população e não considerar o resultado de uma sociedade que banaliza o sexo como uma questão de saúde pública. O aborto é uma questão de moral e ética e, como a Igreja é “perita em humanidade”, nos dizeres do papa Paulo VI, ela tem sim competência para exprimir que este contra valor danifica e destrói uma sociedade que busca a realização e a felicidade.

Em um recente artigo, o senhor afirmou que vivemos na ditadura das minorias. O que significa isto para a Igreja?
Os grupos minoritários do Brasil, a saber: homossexuais, usuários de drogas, antirreligiosos, positivistas, partidários da legalização do aborto etc, estão usando de todas as manobras possíveis e imagináveis para que a maioria da população aceite, a qualquer custo, o que eles acham certo. Criou-se o mito de que a Igreja era contrária à ciência na Idade Média, diante dos processos de Galileu Galilei e Giordano Bruno e, na base dessa argumentação, as minorias querem criar todas as mordaças possíveis e imagináveis para que a Igreja cale sua voz. Dizem eles: a maioria da população deve calar e as minorias devem estardalhar suas opiniões. Isso para mim não é democracia é ditadura, nefasta e silenciosa. Diante da ditadura das minorias, a Igreja deve ser corajosa. Jamais devemos nos calar, nem muito menos nos acovardarmos diante dos erros da Igreja. Apontando os erros da Igreja querem nos intimidar para que silenciemos. Porém, Cristo nos deu uma ordem: Ide e ensinai... Por isso, a Igreja precisa de homens e mulheres corajosos, com a coragem de denunciar e anunciar, cumprindo a ordem de Cristo, doa a quem doer. 

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